terça-feira, 21 de dezembro de 2010

C O N V I T E


MESTRADO EM TEORIA LITERÁRIA 2011

O Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE tem a satisfação de convidá-lo (a) a participar do programa de Mestrado em Teoria Literária reconhecido com o conceito “3”, pela Portaria MEC n° 524 de 29 de abril de 2008, publicada no D.O.U., Seção 1, pág. 16 de 30/04/2008, o curso está em funcionamento desde 2006 e tem como objetivo discutir os avanços mais significativos no desenvolvimento dos estudos que evidenciam a literatura e suas relações com a cultura e a sociedade. Abrangendo duas linhas de pesquisa, Políticas da Subjetividade e Poéticas do Contemporâneo. O curso conta com um corpo docente extremamente qualificado, experiente e formado por pesquisadores atuantes na área.

As inscrições iniciam em 16/11/2010 e finalizam em 11/02/2011, sendo que o processo seletivo será realizado nos dias 16 e 17 de fevereiro de 2011.

Para maiores informações acesse o site do Mestrado http://mestrado.uniandrade.edu.br/ ou entre em contato com TÂNIA, 3219-4109/ 3219-4267.

MENSALIDADE: O aluno assinará no decorrer do curso 04 contratos de 06 meses. A rematrícula será realizada semestralmente, podendo ocorrer reajuste.

TOTAL DE PARCELAS: 1º semestre = 06 parcelas de R$ 1.212,75 com desconto de 40% para pagamento até o vencimento do boleto, ficando cada parcela em R$727,65 (Após o vencimento será acrescido multas e juros)

OBSERVAÇÃO

Edital com informações detalhadas sobre o processo seletivo 2011 e modelo de pré-projeto estão disponíveis no site http://www.uniandrade.com.br

Ficha de inscrição que deverá ser preenchida e entregue juntamente com a documentação para a inscrição.
Informamos que o boleto referente à inscrição será emitido no ato da entrega da documentação, sendo o mesmo no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais). 

As inscrições já podem ser realizadas, sendo que o Pré-Projeto pode ser entregue até o último dia da inscrição, isto é, 11/02/2011. 

O aluno que não entregar a documentação até 11/02/2011(data prevista para o encerramento) terá sua inscrição cancelada.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

UM ERRO EMOCIONAL, DE CRISTOVÃO TEZZA - Por: Verônica Daniel Kobs

Do Inferno ao Céu


            Um erro emocional, livro recém-lançado por Cristovão Tezza, começa com a afirmação de um erro, descontrole que desencadeia um caminho pelo Inferno das lembranças, dos traumas, das derrotas, dos amores e das traições do personagem e autor Paulo Donetti. Do começo ao fim da história, o vinho servido por Beatriz aproxima o protagonista de sua verdade.
            A linguagem reflete o processo do autoconhecimento, com negativas, retrocessos, fantasias e um avanço lento e progressivo, feito a partir da afirmação dos erros e da condição humana e falível: períodos longos, trechos que terminam em suspenso (fragmentados, algumas vezes continuados, após uma breve pausa —
            e, em outras, simplesmente interrompidos), marcados pela parcimônia da fala e pela profusão do pensamento (sendo que esse, muitas vezes, conta também a história não do que foi, mas do que seria, se a palavra imaginada tivesse sido dita, ou se o desejo tivesse deixado de ser apenas desejo).
            Donetti encontra Beatriz, no início da história, e reencontra-a, ao final, em uma atmosfera que une amor, vida e morte. Beatriz, afinal, é única? Ela existe, ou é apenas a “Beatriz amarela”, saída das páginas escritas por Donetti, autor e amante? Beatriz vive, ou é um espectro, com a clara missão de ajudar seu amado a fazer a difícil travessia entre dois mundos?
            O efeito da última página de Um erro emocional é aterrador. O final é um convite ao recomeço. O leitor quer mais e volta imediatamente ao começo da história, para refazer o caminho de Paulo Donetti, bucando pistas que possam ajudá-lo a desvendar o mistério do romance e da sombra de Beatriz, de Donetti (, de Tezza) e de Dante. 
            A musa inspiradora imortal é agora quem guia Donetti até o Paraíso, mas, na passagem pelo Inferno de Tezza, o leitor redescobre o Inferno dantesco:  além de Beatriz, a musa gnóstica —
            Cássio, o infiel —
            Antônia, a Beatriz (ora filha dedicada, ora ex-esposa amantíssima) —
            E, de certa forma, até Gemma di Manetto Donati (a outra com quem Dante/Donetti casou, apesar de amar Beatriz (ou Maria).
            Afinal, depois do erro, o acerto. Beatriz, no destino de Paulo Donetti, representa o antes, o depois e é também o agora, que se transmuta em um futuro promissor, no Paraíso: “Beatriz imaginou, pressentindo a sombra; Donetti deu dois passos tímidos em sua direção e estendeu a mão para tocá-la.” (TEZZA, 2010, p. 191). Enfim, felizes para sempre… até que a vida os separe.
Um erro emocional, de Cristovão Tezza
Editora Record, 2010, 191 páginas.

domingo, 5 de dezembro de 2010

“Crítica literária no Brasil, ontem e hoje” (Benedito Nunes)


Sigrid Renaux (25/11/2010)

Como comenta Victor Sales Pinheiro, na Apresentação do livro A Clave do Poético, de Benedito Nunes (São Paulo: Cia. Das Letras, 2009), “A Clave do poético reúne ensaios de vários momentos da extensa atividade intelectual de Benedito Nunes, autor de reconhecida importância em nosso cenário cultural, sobretudo pela originalidade e profundidade com que aproxima literatura e filosofia”.  Por esta razão, escolhi reproduzir partes dos trechos conclusivos do  ensaio “Crítica literária no Brasil, ontem e hoje” para estimular os mestrandos a ler este ensaio em sua íntegra e, também, os outros ensaios  deste autor, considerado “um tesouro nacional, guardado na Amazônia há décadas”, como afirma Leyla Perrone-Moisés, no Prefácio à obra.
Nos referidos trechos, Nunes afirma que, mesmo que haja uma “aparência de recuperação, a    crítica, sem mais representar um polo de tensão com a escrita dos escritores, está em crise profunda desde algum tempo nos seus princípios, na sua presença pública, na sua operatividade como leitura; há uns bons três decênios em declarada falência em sua função julgadora ou avaliativa, procurou compensar a queda (...) convertendo-se, entre os franceses,em escrita autônoma, objeto de “paixão amorosa”, do prazer barthesiano do texto. Mas, no Brasil de hoje, quando há mais leitores, mais livros, mais jornais, como falar em crise daquele ofício intelectual de julgar que acompanha a liteatura, se ela ainda é literatura?
Por que, então, crise? Somente da crítica ou também da literatura? Onde está o sintoma das causas e de seus efeitos? É no livro que podemos encontrá-los, responde Walnice N. Galvão (Desconversa, 1998):
no conformismo, na predileção pela escrita fácil, no abandono da experimentação formal, na redundância estética, na busca do impacto aprendida com o jornal e a televisão. A crítica literária definhou (enquanto o ensaio crítico em livro cresceu): os suplementos literários desapareceram em sua maioria: o press-release, que faz parte da máquina do mercado e não da esfera da literatura, transveste a informação sobre livros.
(...)
 No entanto, os estudos críticos, fora do jornal, abundam; avolumam-se as investigações sociais, históricas e culturais do discurso literário (...): aumenta o surto ensaístico de trabalhos meio filosóficos, meio literocríticos (...). Talvez pudéssemos pensar que vivemos outro período cultural, o da pós-modernidadem, se o conceito de pós-modernidade não se enraizasse (...) no de modernidade.
Mas talvez seja mesmo a crise da crítica o efeito exterior de uma crise da própria literatura, combalida, intoxicada, inconfortada, maquilada dentro do vigente sistema de valores midiáticos da vida cultural brasileira globalizada. ‘Será’– pergunta Leyla [Perrone-Moysés] e eu com ela – ‘que, ao efetuarmos a liquidação sumária da estética, do cânone e da crítica literária, não jogamos fora, com a água do banho, uma criança que se chamava literatura? Teríamos então de rever, como admite a mesma Leyla, as desconstruções, que foram necessárias, rever o lugar mesquinho da literatura no ensino médio, rever as nossas atitudes em face dela, enfrentar a mentalidade que a rebaixou. Se a literatura cai, a crítica despenca.
No entanto, crise não é catástrofe. Crise é incerteza do que fazer agora e do que virá depois.” (NUNES, 2009, p.65-6).

Boa leitura  a todos vocês!


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

CAPITU, MEMÓRIAS PÓSTUMAS: à sombra do texto em flor



Propor um texto que se coloca à sombra de outro texto, sugere dupla compreensão: primeiro, que o texto é obscurecido pelo outro e segundo que o texto está protegido pelo outro. Analisando estas duas posições, tendo como foco as obras Dom Casmurro e Capitu, memórias póstumas, vemos que se o obscurecimento se dá sobre a obra Capitu, memórias póstumas é porque há uma relação desigual entre elas. O status literário alcançado pela obra primeira, dificilmente será sobreposto pela outra (obra atual), mesmo porque esta não é a sua pretensão. Portanto, há este obscurecimento sim, mas sem que isto some pontos negativos à realização da obra como arte literária. Por outro lado, é possível vermos que Dom Casmurro exerce também a função protetora sobre Capitu, memórias póstumas, já que empresta à obra sua luminescência que transparece de imediato no título. O mesmo cânone que obscurece a existência de Capitu, memórias póstumas por estar posto acima dele, é o que o ilumina quando se reconhece nele elementos do canonizado. As estrelas de Machado de Assis brilham para o seu “leitor atento”. No entanto, nestes tempos de novidades, é preciso estar muito mais atento, pois, repetindo o provérbio, “nem tudo que reluz é ouro”.
Se Capitu, memórias póstumas está à sombra de Dom Casmurro, esta posição já lhe garante uma relação de dependência e inferioridade, porém ela vem, apesar desta posição, modificar a paisagem em que se localiza Dom Casmurro na consciência do leitor (pelo menos) e este é o seu propósito maior: mostrar que é possível construir alegorias da leitura, refletir sobre a construção da narrativa e sobre o estilo machadiano, questionar, propor outras possibilidades sem sair do universo da obra de Machado de Assis, enfim, fazer a diferença dentro da semelhança.
Dom Casmurro é o texto sempre em flor, pronto para abrir-se ao leitor sob novos questionamentos, e é também o texto que protege o romance de Domício da possibilidade do fracasso editorial e, ao mesmo tempo, daquela luz resplandecente a que aspiram os textos que querem para si o antigo sentido de originalidade. O texto à sombra quer justamente questionar este sentido e para isto ele se faz paródia da obra de Machado de Assis, apresentando-se como uma “repetição com distância crítica, que marca a diferença em vez da semelhança” [1], de modo a produzir uma saudável e instigante reflexão sobre a criação e a recriação; sobre o velho (que se renova) e o novo (que busca a permanência); sobre Capitu e Bentinho pensados e construídos por Machado e um século depois repensados por Domício Proença que ousou colocar-se à sombra do Bruxo do Cosme Velho.
Se “os mundos ficcionais são parasitas do mundo real” [2], conforme nos diz Umberto Eco, o romance metaficcional construído por Domício é parasita do mundo ficcional machadiano, inclusive para tornar possível a voz de Capitu no romance. Ou seja, o mundo referencial de Capitu, memórias póstumas é o mundo ficcional criado por Machado de Assis e, portanto, há o entrecruzamento das duas construções, uma dando respaldo existencial à outra do mesmo modo que o romance histórico tem feito em relação às construções apresentadas pela história. O modo apropriação não é novo, afinal. Porém, pede que o leitor seja um “leitor-modelo” [3] e aceite o jogo metaficcional da obra e conheça Dom Casmurro para não obscurecer nem iluminar demais, de modo a falsear, Capitu, memórias póstumas.
A análise que proponho focaliza o traço irônico da narradora (Capitu), que não ocupa o lugar de Bentinho, mas que se põe à sombra dele quando depende do seu discurso e da sua narrativa para produzir a dela, e que não deixa de sinalizar uma avaliação de natureza desmistificadora e por vezes até pejorativa de seu marido. Apesar de apontar como finalidade de seu texto “a afirmação do discurso da mulher” [4] e a demonstração da “injustiça, a esmagadora injustiça do seu (de Bentinho) libelo acusatório” [5], repetindo várias vezes que não pretende julgar seu “algoz”, Capitu vem mesmo é julgar o seu acusador através do discurso, revelando a sentença de modo irônico e, assim, confirmando seu caráter dissimulado. O mesmo recurso, a ironia, é usado por Domício que, tanto como sujeito ficcional da obra como autor empírico da paródia, direta e indiretamente avalia a produção de Machado com uma intenção desmistificadora. É a presença deste caráter irônico que revela o sentido paródico do romance.
A construção advocatícia está presente na obra de Machado, no entanto parece que no romance de Domício há uma didática muito maior nesta construção. A voz do “autor-modelo” (Umberto Eco) imita a voz de Machado e repete a estratégia narrativa usada ora em Dom Casmurro, ora em Memórias póstumas de Brás Cubas. Inclusive os excessos de caráter metodológico e didático que denunciam a presença do professor Domício Proença poderiam ser vistos como um dos pecados da obra, sob o argumento de que não dilui totalmente a presença do autor que se coloca à sombra do cânone. Entretanto, se analisarmos apenas os capítulos iniciais de Memórias póstumas de Brás Cubas, veremos que ali também o narrador se mostra explicativo em sua composição, em Dom Casmurro não é diferente, pois o narrador Bento Santiago explica até mesmo o porquê do título da obra. Portanto, não vejo razões para, neste sentido, criticar a construção da Capitu de Domício, ela segue o modelo de seu mundo referencial, a ficção de Machado de Assis.

[1] HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70. 1985. p. 17.
[2] ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 91.
[3] IDEM, p. 14
[4] PROENÇA FILHO, Domício. Capitu, memórias póstumas. Rio de Janeiro: Artium Editora. 1998. p. 13.
[5] IDEM, p. 13.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Manipulando o tempo (e as paixões) no cinema: Déjà vu e A casa do lago


Brunilda Reichmann
Prof.ª Dr.ª Uniandrade.

Há décadas e de várias maneiras cineastas procuram manipular o tempo em suas produções, sendo a ficção científica uma das várias formas de trabalhar a inexorabilidade do assunto. Na atualidade, os filmes Déjà vu (produção de Jerry Bruckheimer e direção de Tony Scott) e A casa do lago (produção de Dou Davison e Roy Lee e direção de Alejandro Agresti), ambos de 2006, oferecem uma visão (nem tão diferenciada nem inovadora) que dificilmente deixará de agradar à plateia. Nos dois filmes, os produtores criam uma situação onde o cerne é a consumação de um romance entre um homem e uma mulher que não se conhecem. Mesmo sem conhecer o outro, o sentimento faz com que os envolvidos tentem manipular o tempo e “resgatar” a amada ou o amado em outro tempo que não aquele em que vivem. 
Em Déjà vu, o detetive Doug Carlin (interpretado por Denzel Washington) é levado a uma estação especial onde, de acordo com seus operadores, a tecnologia os possibilitou gravar até quatro dias e meio no passado e reproduzir o material, mas note-se: sem possibilidade de replay. Acontece que a sagacidade do detetive o faz interferir na suposta projeção e ele recebe uma resposta, da mulher, que supostamente estava no passado, diante de seus olhos, no presente. Carlin constata, portanto, que o aparelho não está reproduzindo uma gravação, mas registrando um passado que está sendo vivido no presente. A explicação considera aspectos da física quântica, a possibilidade de que o tempo pode ser dobrado. O passado surge como presente diante dos olhos do detetive, explicam os operadores. Fantástico como possa parecer, o protagonista, interessado em salvar “a mocinha”, Claire Kuchever (papel desempenhado por Paula Patton), decide entrar na “máquina do tempo” que o levará a um momento anterior ao assassinato dela e à explosão da barca em New Orleans. A suspensão voluntária da descrença, expressão usada pelo poeta inglês Coleridge, faz com que o espectador vibre a cada passo bem sucedido do “mocinho” dentro da parafernália da indústria cinematográfica estadunidense déjà connu, pois o papel do protagonista é desempenhado com maestria. Não serão as perguntas sem respostas que deixarão o espectador frustrado. O romance entre os casais se realizará; portanto, se a manipulação do tempo não convence, a manipulação dos sentimentos certamente o faz. 
As mesmas afirmações podem ser feitas a respeito do filme A casa do lago, baseado no longa coreano Il mare. Esta produção coloca o famoso casal Sandra Bulloc (desempenhando a médica Kate Forster) e Keanu Reeves (desempenhando Alex Wyler, talentoso arquiteto) novamente juntos (obtiveram sucesso como casal em Velocidade máxima, de 1994).  Em A casa do lago, “a mocinha” é quem desvenda o fato de que ela e o homem por quem está apaixonada, mesmo sem conhecê-lo, vivem em tempos diferentes: Alex em 2004, e ela em 2006. Instigante e bem dirigido, nesta produção é “a mocinha” também quem descobre que terá que salvar o homem que foi atropelado (Alex) ao atravessar a rua na sua frente dois anos antes. Entre a intensa troca de correspondência e os muitos desencontros entre ambos, Kate consegue salvar seu amado, convencendo-o do futuro que ele não poderá ir ao seu encontro no passado. Nota dez para a manipulação do tempo, a complexidade dos roteiros e as perguntas sem respostas, que deixam o espectador aturdido, mas atento; intrigado, mas feliz com o encontro final – por que será que parece déjà vu? – dos casais nos dois filmes. Esta expectativa, tão antiga quanto o mundo, parece jamais falhar e não requer explicações: os apaixonados devem realizar suas paixões para a satisfação vicária do espectador.

domingo, 10 de outubro de 2010

Baile perfumado revisita Lampião: realidade, ficção e revisão de um mito construído pela História

Prof.ª Dr.ª Verônica Daniel Kobs

Em 1997, veio a público o filme Baile perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira. A produção foi a grande vencedora do Festival de Cinema de Brasília, conquistando, inclusive, o prêmio de melhor filme. A história contada não é a de Lampião, mas a de Benjamin Abrahão Botto, libanês que se naturalizou brasileiro, depois de mudar-se definitivamente para cá, para fugir da convocação para lutar na Primeira Guerra Mundial. No entanto, na trajetória desse personagem havia vários pontos que o relacionavam a Lampião e a seu bando, além de constituírem um rico material para um roteiro cinematográfico.
[...].


                                              
A princípio, qualquer tipo de registro histórico parece ser relacionado mais à permanência do que à mudança, afinal, depois de fazer parte da História, o fato fica ali, imóvel, até que surja alguém que retome aquele fato histórico e motive novas percepções, novas formas de leitura e compreensão. Benjamin Abrahão Botto conseguiu seu intento. Ele registrou um pedaço da História de Lampião e seu bando, que mudaram o mundo de muitos, e, muitos anos depois, ajudou Paulo Caldas e Lírio Ferreira a mudar o mundo construído em torno do mito do rei do cangaço. Em Baile perfumado, Lampião não deixa de ser mostrado como mito. Ele apenas tem enfatizado seu outro lado. O mesmo jogo de luz e sombra perpassa o personagem do fotógrafo. Comumente, Abrahão é lembrado pelo material iconográfico riquíssimo que produziu, mas pouco se fala sobre sua luta para pôr em prática seu projeto artístico-histórico. Todos comentam o que ele fez, mas, afinal, quem foi ele mesmo?
            Baile perfumado sugere uma nova perspectiva, para desinvestir o mito da autoridade que, habitualmente, esse carrega, a fim de possibilitar uma revisão. No entanto, essa mudança só é possível, pela estrutura escolhida para a apresentação da história. Nesse plano mais formal, destaquem-se o modo indireto de reacender a discussão sobre o papel do cangaço, na sociedade brasileira, e a associação entre imagem e som, inclusive com o privilégio da música, detalhe que não pode passar despercebido, já que a trilha sonora inclui a participação dos principais nomes do movimento mangue beat.
            Na primeira cena de Baile perfumado em que aparecem Lampião e seu bando, o som de Chico Science é indício valioso do que está por vir. A “batida” do mangue dialoga com a filosofia do cangaço, no que se refere à luta social, contra a miséria e pela esperança de mudança, e dialoga com o filme de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, pela valorização do aspecto regional e da cultura de raiz, para “modernizar o passado”, e pela fusão de estilos e elementos, que, no filme, fica muito bem representada pela alternância constante entre passado e presente. O híbrido e o novo são celebrados, mas sem esquecer o tradicional. Dentre os nomes que compõem a trilha sonora de Baile perfumado, Fred Zero Quatro, com a banda Mundo Livre S/A, e Chico Science, à frente da Nação Zumbi, estabeleceram um novo conceito pop.
            A relação entre modernidade e tradição foi explicitada, através do símbolo do movimento: uma antena parabólica enterrada na lama dos manguezais. Lançado em 1992, com o manifesto Caranguejos com cérebro, o mangue beat exigia “a percepção da diversidade cultural existente” e privilegiava “a fusão de ritmos, maracatus, repentes e cantigas de roda com rock, rap e dance music”. (LEAL, 2006, p. 3). Até aqui, há provas suficientes da convergência entre Baile perfumado e o movimento pernambucano dos anos 90, mas a prova irrefutável associa-se mais ao tema que à estrutura:

A cena mangue traz também um resgate de manifestações folclóricas de Pernambuco e nordestinas, tomando como referências figuras históricas como Zumbi, Lampião e Antônio Conselheiro, numa clara tentativa de resgate da identidade histórica. (LEAL, 2006, p. 3).

              Aí aparece Lampião, e não à toa, pois, se o objetivo dos “caranguejos com cérebro” era fazer revolução, nada melhor do que evocar alguns dos ícones revolucionários importantes de nossa História. Aliás, várias retomadas como essa, ao longo de décadas, acabaram contribuindo para a construção da heroicidade de alguns personagens históricos pelo movimento mangue beat. Ressalte-se que o apelo popular permitiu a reescrita da História, afinal, de “subversivos”, “revoltosos” ou “marginais”, todos os exemplos aqui citados foram conquistando, aos poucos, o reconhecimento oficial. Dessa forma, hoje, os “heróis” do passado interferem no presente e, em troca, o presente lança um novo olhar sobre o passado, o que equivale, respectivamente, a outro movimento de reciprocidade: “da lama ao caos” e “do caos à lama”.

(Trecho do artigo publicado pela Prof. Verônica Daniel Kobs, na revista Todas as musas, em julho de 2010. Para ler o texto na íntegra, acesse: http://www.todasasmusas.org/03Veronica_Daniel.pdf)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pablo Neruda: “A poesia não terá cantado em vão”.

Trecho do discurso de Pablo Neruda, por ocasião do recebimento do prêmio
Nobel de Literatura (1971), traduzido pela Professora Doutora Sigrid Renaux.
 


Senhoras e senhores:
Eu não aprendi nos livros nenhuma receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso  por minha vez sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso certos acontecimentos do passado, se revivi um relato nunca esquecido, nesta ocasião e neste lugar tão diferentes ao do acontecido, é porque no curso de minha vida encontrei sempre em algum lugar a afirmação  necessária, a fórmula que me aguardava, não para enrijecer-se em minhas palavras mas para explicar-me a mim mesmo.
Naquela grande jornada encontrei as porções necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as motivações da terra e da alma. E acho  que a poesia é uma ação passageira ou solene na qual entram  em medidas iguais a solidão e a solidariedade, o sentimento e a ação, a intimidade de si mesmo, a intimidade do homem e a revelação secreta da natureza. E acho com fé não menor que tudo está sustentado – o homem e sua sombra, o homem e sua atitude, o homem e sua poesia –  em uma comunidade cada vez mais ampla, em um exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, porque de tal maneira os une e os mistura. E digo do mesmo modo que não sei, após tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um rio vertiginoso, ao dançar em volta de um crânio de vaca, ao lavar minha pele na água purificadora das regiões mais altas, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para comunicar-se depois com muitos outros seres, ou era a mensagem que os demais homens me enviavam como exigência ou convite. Não sei se   vivi ou  escrevi aquilo, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei mais tarde.
De tudo isso, amigos, surge uma lição que o poeta deve aprender dos demais homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos levam ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é preciso atravessar a solidão e a amargura, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar tropegamente  ou cantar com melancolia; mas nessa dança ou nessa canção estão consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de sermos homens e de crermos num destino comum.

IN: La poesía no habrá cantado en vano: discursos de Neruda con ocasión del Premio Nóbel de Literatura, 1971. Santiago: Libros del Ciudadano, 2001.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

UMA MARGEM DISTANTE, DE CARYL PHILLIPS: EM BUSCA DO LAR

Patrícia Bertachini Talhari 

O artigo publicado integralmente neste blog, na página "Publicação dos alunos da Uniandrade", comenta, com base nos conceitos operadores dos Estudos Culturais e Pós-Coloniais e na noção de Pós-Modernidade, a construção do romance Uma Margem Distante, de Caryl Phillips, reconhecendo-o como questionador do cânone literário tradicional. Narrativa e personagens perfazem um percurso análogo, em que deslocamento físico representa o deslocamento do sujeito: Solomon, um refugiado africano, e Dorothy, uma professora britânica, encontram-se numa cidadezinha inglesa. Ele teve que percorrer um longo e acidentado caminho desde a África; ela, uns poucos quilômetros. Ambos, entretanto, estão à margem da comunidade: ele, por ser negro e estrangeiro; ela, pela idade e hábitos excêntricos. Nessa improvável amizade, um e outro se reconhecem como iguais na procura de uma identidade, do lar e necessidade de interação humana.

Palavras-Chave: Literatura Pós-Colonial, Pós-Modernidade, Identidade.

Obs.: Patrícia B. Talhari faz parte do corpo discente do curso de Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade.

Nau Capitânia: a história navega pela ficção



                                                    Eunice de Morais

Nau Capitânia foi um dos livros mais vendidos no ano de 2000 em todo o país, quando rendeu ao jornalista Walter Galvani o Prêmio Literário Érico Veríssimo. Em 2001, em Havana, o Instituto Casa de las Américas reconheceu Nau Capitânia como maior destaque em Literatura Brasileira, na categoria romance histórico. O júri alegou que a “obra de Galvani tem como principal mérito destacar a figura humana do descobridor Pedro Álvares Cabral”. Nau Capitânia recebeu, ainda, o prêmio Jônatas Serrano, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores e, confirmando sua ambigüidade, recebeu o prêmio Clio de História do Brasil, concedido pela Academia Paulistana de História[1].
Já no primeiro capítulo da obra catalogada como narrativa histórica, Pedro Álvares Cabral, ficcionalmente localizado em “Santarém, 1518”, nos conta seus sentimentos saudosistas e arrependimentos em relação à viagem de 1500. Este primeiro capítulo de Nau Capitânia aponta para uma história que abusa dos recursos ficcionais para percorrer e questionar o tempo histórico.
Ao dar voz ao personagem histórico, fazendo-o migrar do mundo da história para um mundo ficcional, Walter Galvani ficcionaliza uma narrativa que se pretende histórica e, paradoxalmente, não a destitui da “pretensão à verdade” [2] histórica. Talvez seja esta “pretensão à verdade” o que justifica o fato de a obra ter sido caracterizada como histórica, mas a análise de sua narrativa pode propor uma outra caracterização que, pela falta de termo mais apropriado, insistimos em denominar ficção histórica.
Para confirmar esta ficcionalização da narrativa, em que há a construção de uma verdade possível juntamente com uma verdade provável da história, analisaremos Nau Capitânia considerando as reflexões de Paul Ricoeur apresentadas no Tomo III de Tempo e narrativa (1994), especificamente quando trabalha sobre a “ficção e as variações imaginativas do tempo”. Neste capítulo, Ricoeur aponta como a característica mais visível que opõe o tempo histórico ao tempo fictício (que entendemos como tempo da ficção) a “libertação do narrador” quanto à obrigação imposta ao historiador de “reinscrever o tempo vivido sobre o tempo cósmico” [3]. Ora, neste sentido a ficção histórica é aporética, pois institui o tempo da história tanto quanto o tempo da ficção, mas não se assemelha a nenhum deles em particular e se apresenta como uma terceira construção temporal de caráter híbrido.


[1] Informações disponíveis em http://www.waltergalvani.com.br/opinioes.html . Acesso em 08/09/2003
[2] RICOEUR, P. Tempo e Narrativa. São Paulo: Papirus Ed., 1994. Tomos I, II e III.
[3] RICOEUR, p. 218. Tomo III

OBS.: O TEXTO COMPLETO FOI APRESENTADO E PUBLICADO EM ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC/2006, REALIZADO EM PORTO ALEGRE.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

THE FIFTH SYMPOSIUM OF IRISH STUDIES IN SOUTH AMERICA : Ireland on the Screen, Stage and Page

Por: Prof.ª Mail Marques Azevedo


Date: 30, 31 August and 01 September 2010

VENUE: Federal University Of Paraná – Curitiba – BRAZIL
Rua General Carneiro, 460 - Ed. Dom Pedro I - Reitoria
The Federal University of Paraná, the Brazilian Association of Irish Studies (ABEI) and the W.B.Yeats Chair of Irish Studies of the University of São Paulo are organising a Symposium of Irish Studies which, since 2006, has gathered specialists from various associations such as IASIL, SILAS, ACIS, CAIS, EFACIS, AEDEI, BAIS.
The Fifth Symposium of Irish Studies in South America has the support of the Embassy of Ireland in Brazil. The theme, “Ireland on the Screen, Stage and Page” will include the following topics:
• Film
• Radio and TV
• Photography
• Theatre and Drama
• Fiction and Poetry
• Translation of Irish authors
• Literary criticism
• History, Politics and Economy


The keynote speakers that have confirmed their participation in the Symposium are:
• Lance Pettitt (Metropolitan University, Leeds)
• Emer Nolan (National University of Ireland/Maynooth)
- Angus Mitchell (Historian and editor of The Amazon Journal of Roger Casement)
• Maureen Murphy (Hofstra University, New York)
• Luz Mar González Arias (University of Oviedo, Spain)
• Paulo Eduardo Carvalho (University of Porto, Portugal)
• Irish poet Eiléan Ní Chuilleanáin
• Irish film-maker John T. Davies
- Irish poet Macdara Woods

Individual Papers of 20 minutes and panels of three or four participants are invited on the topics above. Proposals are welcomed across disciplines, from scholars of languages and literatures, geography, history, psychology, sociology, economy, politics and other fields. Send an abstract of 200 words by email to:
Dr. Beatriz Kopschitz Bastos abeibrasil@yahoo.com.br Please include a short biodata, full address, institution affiliation, day telephone, fax and email address. Abstracts may be submitted in English, Portuguese or Spanish and should be sent no later than 15 June 2010.

The venue will take place in the city of Curitiba, Paraná State, Brazil. If you wish to attend the symposium without presenting a paper, please register by 10 August 2010.
Chair: Laura Izarra, Munira H. Mutran & Lance Pettitt.
Local Committee: Célia Arns de Miranda (UFPR); Liana de Camargo Leão (UFPR); Luci Maria Collin Lavalle (UFPR); Ana Stegh Camati (UNIANDRADE); Brunilda Tempel Reichmann (UNIANDRADE), Mail Marques de Azevedo (Uniandrade), Cristiane Busato Smith (UTP).
For extra information visit:
http://irishstudies.webs.com/fifthsymposium2010.htm



Observação: As inscrições para participação sem apresentação de trabalhos podem ser feitas até o inicio das atividades.

sábado, 14 de agosto de 2010

INCONSTÂNCIAS E REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NAS OBRAS DE HILDA HILST E FRIDA KAHLO


Verônica Daniel Kobs

          Elaine Showalter considera a arte das mulheres “um ‘discurso de duas vozes’ que personifica sempre as heranças social, literária e cultural tanto do silenciado quanto do dominante.” (SHOWALTER, 1994, p. 50). Para a autora, essa posição “inconstante”, volúvel e aparentemente contraditória não é mera característica da produção artística feminina; ela é inevitável e possibilita o engendramento de uma nova perspectiva da questão dos gêneros. A “primeira voz” é responsável pela retomada dos estereótipos, e, no momento seguinte, a “segunda voz” encarrega-se de subvertê-los, em uma clara crítica às qualidades e às funções que a sociedade patriarcal associa ao feminino e ao masculino.
          Frida Kahlo, em O ônibus, exemplifica bem esse processo. Em meio aos passageiros retratados na tela, três mulheres chamam a atenção. Seus perfis são totalmente diferentes e, da esquerda para a direita, relacionam-se às seguintes representações: dona de casa, mãe e socialite.  


O ônibus (1929), de Frida Kahlo

É inegável a conformidade das representações femininas de Frida Kahlo em relação ao gendramento. No entanto, a pintura separa o que a convenção costuma agregar em um mesmo perfil. Evidentemente, isso não quer dizer que a pintura expresse uma visão excludente e redutora do gênero feminino. A tela investe na contradição da expectativa ufanista de que a mulher deve, obrigatoriamente, desempenhar com perfeição todos os papéis que lhe são impostos pela sociedade. A separação proposta no quadro não deixa de celebrar a multiplicidade, mas acrescenta a importância da individualidade e da liberdade de ser, mas em medidas diferentes, e talvez até de deixar de desempenhar, por convicção, um dos papéis geralmente atribuídos ao gênero feminino. De modo sutil, reclama-se do preconceito e da falta de opção, já que a recusa a uma das características impostas constitui uma falta grave, para a visão androcêntrica.
Hilda Hilst, ao se debruçar sobre as mesmas questões, carrega no tom cômico e critica mais fortemente o gendramento. Em Fluxo-floema, há vários exemplos da paródia que a autora faz dos comportamentos atribuídos ao feminino e ao masculino. O primeiro é perceptível nos perfis dos protagonistas, Osmo e Mirtza:

Aí, eu falava, falava, e nas primeiras noites ela ouvia o que eu falava, depois ela queria fazer amor e eu fazia amor direitinho e tudo o mais, mas eu queria continuar falando depois. Depois de fazer amor. Aí, ela não me ouvia mais. Comecei a compreender que a Mirtza só me ouvia antes de fazer amor, e então pensei: essa mulher é uma vaca [...]. (HILST, 1970, p. 75)

Mas, meses depois, Mirtza viaja para a Índia e, quando volta, Osmo comenta: “Achei que a Mirtza voltou bem disposta, um pouco bem disposta demais, talvez, e o que me aborreceu seriamente: já não me ouvia nem antes nem depois.” (HILST, 1970, p. 75). Nesses fragmentos, a característica de falar demais, mais associada às mulheres, é dada ao homem. Dessa forma, os papéis se invertem e, no jogo da sedução, não é mais o homem, mas a mulher que ouve, apenas por obrigação, tudo o que o homem diz, a fim de alcançar sua tão esperada recompensa: o sexo. Osmo, porém, percebe o artifício de Mirtza, assim como se dá conta de que ela voltou mudada da viagem. No entanto, ele não sabe dizer por que ela não o ouve mais, “nem antes, nem depois”.
          Em outro texto do mesmo livro, Hilda Hilst desconstrói o mito da beleza feminina, ao apresentar o desabafo de uma personagem que revela o quanto era difícil estar sempre bonita, alegre e saudável, diante do parceiro. Em sua revolta, ela fala: “[...] que vontade enorme de soltar a barriga, [...] de dizer que eu tenho flebite (ah, é?) e que as minhas pernas doem quando eu faço o amor.” (HILST, 1970, p. 128). Esse trecho demonstra bem as obrigações impostas pelo gendramento, bem como evidencia o cansaço e a dificuldade de o personagem feminino obedecer a elas.

(Parte do trabalho a ser apresentado no IV Seminário de Estudos  Linguísticos e Literários da Fafipar, em Paranaguá (PR), no dia 17/08/10. O texto completo será publicado nos anais do evento.)
         

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO ROMANCE BOCA DO INFERNO Por: Eunice de MORAIS (UNIANDRADE)



O romance histórico biográfico Boca do Inferno (1989), de Ana Miranda, apresenta uma interpretação sobre a obra de Gregório de Matos e Guerra e sobre os diversos relatos biográficos, de caráter histórico, publicados. A autora faz circundar, no enredo, fatos comprometidos com a história abordados através do discurso ficcional que possibilita o detalhamento narrativo, nem sempre encontrados no discurso histórico. Ou seja, os fatos que podem ser comprovados por documentos históricos vêm no romance repletos de pormenores que fazem dos episódios históricos cenas passíveis de visualização pelo leitor.
Há no romance, por exemplo, representações de personagens históricos como o Padre Vieira e o então governador da Bahia, Antônio de Souza Menezes, além de referências a intelectuais da época como Rocha Pita, Bento Teixeira e Ambrosio Fernandes Brandão que ajudam a compor o cenário histórico; e há também personagens que, como figurações do ser, são invenções da autora. Estes surgem a partir da pesquisa sobre a realidade contemporânea ao tempo da narrativa (século XVII). Por outro lado, há o relato de um crime, previsto por biografias não literárias – como, por exemplo, A vida espantosa de Gregório de Matos (1983), de Pedro Calmon – apresentado desde o seu planejamento até sua efetivação. O detalhamento ficcional do episódio revela exatamente por quem, quando, onde e como foi cometido o crime, diferenciando, pelo visualismo da cena narrada, o texto romanesco do histórico. É também nesta relação entre o ficcional e o histórico que se descobrem as possíveis leituras e o posicionamento da autora em relação à interpretação histórica da vida do poeta em diferentes épocas.
Deste modo, a focalização deste trabalho é a construção da personagem Gregório de Matos no romance Boca do Inferno, considerando as relações entre a autora, enquanto pesquisadora da vida e da obra do poeta, e o herói biografado ficcionalmente. Neste romance, a autora não coincide e nem se aparenta com o herói, mas o reconstitui e configura, baseando-se em pesquisa aprofundada sobre documentos acumulados desde o século XVIII, quando foi escrita a primeira biografia do poeta.  A autora revela a atenção dada também às biografias mais recentes e a textos que esclarecem cientificamente a ambientação histórica e social do país, principalmente na região da Bahia. (...)

Excerto do trabalho de pesquisa a ser apresentado no IV SELLF, (Seminário de Estudos  Linguísticos e Literários da Fafipar) em Paranaguá/PR, a ser realizado de 16 - 20/08/2010. O texto completo será publicado em anais do evento.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Notas rápidas sobre o filme Uma bússola dourada.


Lá vem cliché -- mas convenhamos que os clichés exercem sua função -- o filme não tem o mesmo alcance que o livro.  Não se trata da velha discussão de que filmes baseados em livros tenham que ser tão bons como os livros, sequer se trata de uma questão de fidelidade à fonte (outro debate passé!). Não é isso. Uma adaptação, seja ela fílmica, cênica, etc., é outra coisa. Filme é filme e livro é livro, algo óbvio, mas nem sempre observado. Um livro e um filme são sistemas de representação regidos por seus próprios códigos e especificidades. Nem vou entrar no lado técnico e observem que aqui eu apenas argumento que o filme  ficou muito a dever do alcance estético do livro. Mas é justamente isso que frustra grandes entusiastas como eu, fã de carteirinha do Philip Pullman, e naturalmente li a trilogia His dark materials. Além da trilogia, li um livro sobre a ciência por trás do livro, The Science of Philip Pullman's His dark materials, e fiquei fascinada com os vários conceitos da física quântica e com os mundos alternativos que permeiam a narrativa de Pullman.  Depois, li o Darkness Illuminated e o Darkness Visible: inside the world of Philip Pullman, o primeiro sobre a produção teatral e o segundo sobre o autor e  sua ficção, respectivamente. No entanto, mais legal do que as minhas investidas de leitura na e sobre a obra de Pullman, foi que, em fevereiro de 2005, assisti a colossal adaptação teatral do His dark materials I e II no National Theatre (Londres) - foram duas seções de três horas cada e nem deu para cansar! Eis a prova que o livro não precisa reinar sempre nas nossas preferências, essa produção foi premiada até dizer chega e alcançou o maior sucesso de público e crítica do aclamado teatro londrino. Mas quero falar um pouquinho sobre o livro a fim de tentar dar ideia da magia do sucesso estrondoso da trilogia de Philip Pullman. É até fácil de detectar, ainda que seja compreensivelmente difícil de executar. Com uma leitura que flui deliciosamente, o enredo mescla física, aventura, mistério e magia com o velho e indefectível tema do bem versus mal, só que de uma perspectiva  iconoclasta. O bem é incorporado pela orfã Lyra que ganha o direito de possuir a incrível bússola dourada (o aletiômetro), instrumento que possui o poder de revelar a verdade. Lyra, acompanhada de seu daemon, empreende uma viagem ao Polo Norte a fim de resgatar seu amigo Roger Parslow, que havia sido seqüestrado pelas forças do mal. A busca é fascinante pois ela tem que enfrentar as Feiticeiras do Norte, os Ursos Polares e mil outros seres fantásticos. No final das contas, como nas narrativas clássicas, essas viagens e a própria busca, se tornam um dos Leitmotive centrais da narrativa. Porque o simbolismo da busca (quest) e da viagem é algo intimamente mítico, cuja força toca todos nós: a vida é uma grande narrativa de viagem e busca, lembremos da Odisséia e de Ulisses (e de milhares de outros textos semelhantes, clássicos ou não).  Talvez seja principalmente aí que o filme encalha e não sai da mediocridade, a despeito dos esforços excessivamente plásticos (botox and all) de Nicole Kidman. Do Daniel Craig, que faz o papel do Lord Asriel, pesquisador da Universidade de Oxford nem vou comentar, porque ele nem merece o tempo da digitação – basta dizer que o grande ator  da versão teatral, David Harewood, dá um banho de interpretação na atuação insípida e sem personalidade do Craig – aqueles que assistiram o  007 Quantum of Solace devem saber sobre o que estou me referindo. 


De qualquer maneira, talvez a maior riqueza de His dark materials seja a de nos transportar a esses mundos imaginários que nos fazem sentir um pouco como a brava heroína.  Lyra é capaz de ir aos confins do mundo e enfrentar seus próprios medos para resgatar seu amigo.  Falando assim parece simples, não é mesmo?  Não é fácil traduzir em um resumo a multiplicidade dos mundos e realidades alternativos que co-existem paralelamente. Mundos habitados por ursos gigantes e guerreiros mínimos, porém perigosíssimos. Anjos e daemons, estes últimos provavelmente a criação mais original (e encantadora!) de Pullman,  animais que são a personificação de seus donos, a alma da pessoa. Mas isso é apenas o começo, a viagem que a menina Lyra empreende a leva a um universo subterrâneo  obscuro (dark) que tem clara ressonância com O paraíso perdido de John Milton. A escolha do título da versão fílmica, que deixa a idéia do obscuro de lado, presente no título do livro e essencial na trama, His dark materials, prioriza a bússola e simplifica um enredo com uma estrutura intricada. Tudo bem, como poderia o cinema dar vida à esse mundo rico de magia, mito e fantasia? Bem, o teatro pôde, ao vivo, real time. Eu vi e a excelente recepção da crítica e do público confirma.  O cinema, desta vez, fez feio.
Produção teatral do National Theatre, Londres. Adaptador para o roteiro cênico: Nicholas Wright, Diretor: Nicholas Hytner. Sobre o sucesso da produção, leia aqui.
Informações e ficha técnica sobre o filme, Uma bússola dourada, clique aqui.
(Este texto, com pequenas modificações, foi escrito e publicado no meu blog pessoal, em 2008.)  

Cristiane Busato Smith