Um pouco de teoria
Análises de obras de ficção que extrapolam os métodos da crítica literária tradicional são possíveis graças a tendências como os Estudos Culturais, uma abordagem interdisciplinar de crítica da arte. Além de aplicarem “métodos de análise literária a textos ‘não-literários’” e de apagarem as fronteiras entre cultura de elite e cultura popular, os Estudos Culturais entendem que a literatura está inserida no “interior dos processos mais gerais de escrita e comunicação”. Do mesmo modo, consideram que literatura e outras formas midiáticas de expressão artística estão fortemente atreladas à ideologia e a cultura. São, também, orientados pela hipótese de que entre diferentes culturas – portanto, em suas produções literárias –, existem relações de poder que devem ser questionadas (Milner, in Williams, p.421 a 428).
A corrente que enfoca esse aspecto dos Estudos Culturais é conhecida como Estudos Pós-Coloniais. O termo, usado geralmente para descrever a apreciação da literatura de ex-colônias européias, principalmente as de língua inglesa, tem interpretações bastante controvertidas. O prefixo “pós” tem o sentido de “após”, ou seja, estudos sobre o que aconteceu na literatura depois do processo de colonização? Ou de “além de, mas dialogando com” como acontece com muitas tendências teóricas em voga? Alguns teóricos dessa linha crêem que o hífen enfatiza o processo de descolonização cultural, enquanto outros pensam que funciona como uma marca de separação cronológica. Há, ainda, escritores atualmente denominados pós-coloniais, como Salman Rushdie, que rejeitam absolutamente o título, por considerarem que ele encerra a idéia da continuidade da dominação cultural da ex-metrópole; para ele, usar o término significaria compactuar com essa subjugação intelectual.
Divergências conceituais à parte, o que se pode depreender de trabalhos considerados pós-coloniais, sejam teóricos, como o ensaio Orientalismo, de Edward Said (in ASHCROFT, p. 24 a 27), sejam ficcionais, como Uma Margem Distante, de Caryl Phillips, objeto deste trabalho, é que questionam os padrões eurocêntricos de pensamento, civilização e cultura:
A teoria pós-colonial é uma vertente teórica de esquerda, politicamente empenhada em examinar como o colonialismo - o encontro colonial – vem sendo reconfigurado, mas não extinto, mesmo depois da assim chamada descolonização. Seu intuito intelectual é tornar inteligível, sem simplificações e reducionismos de qualquer espécie, a multiplicidade de maneiras pelas quais as relações coloniais são mantidas e reprocessadas enquanto relações materiais e discursivas de antagonismo e resistência, de penetração e distanciamento, e como isso afeta constitucionalmente as formas de vida e convivência humana em escala global (Pierucci, p. 167)
As primeiras obras ficcionais Pós-Coloniais surgiram nas ex-colônias européias no Caribe, África e Índia, concomitantemente a seus movimentos de independência política, como um processo de contestação ao discurso racionalista ocidental. Uma das primeiras estratégias usadas nesse questionamento foram o resgate e valorização das culturas tradicionais, como o fez Chinua Achebe, em 1958, como seu romance Things Fall Apart (O Mundo Desmorona), uma tragédia, no sentido grego da palavra, em que o herói é aniquilado como resultado do processo colonizatório britânico na Nigéria. Outra é a reescritura do cânone ocidental por meio do olhar do Outro, como praticado por Marina Warner, em 1992, que em Índigo revela o aspecto feminino, criativo e humano do caribenho reificado em A Tempestade, de Shakespeare.
Uma terceira, como é a empregada por Phillips em toda sua obra, é retratar a fragmentação da identidade, face ao embate de civilizações que persiste em nossa era de globalização, independentemente de sua relação com a colonização política em si. Tópicos que costumam freqüentar a mídia são também os tratados pela crítica Pós-Colonial: discriminação, resistência, (i)migração (i)legal, desestabilização da identidade cultural.
Precisamente no tocante a esse tema, a noção de identidade una, e a consequente investigação de conceitos fechados e de gêneros literários fixos para expressá-los, os interesses da Teoria Pós-Colonial e do Pós-Modernismo convergem:
Quando o centro começa a dar lugar às margens, quando a universalização totalizante começa a destruir a si mesma, a complexidade das contradições que existem dentro das convenções – como, por exemplo, as de gênero – começam a ficar visíveis. A homogeneização cultural também revela suas rachaduras, mas a heterogeneidade reivindicada como contrapartida a essa cultura totalizante (mesmo que pluralizante) não assume a forma de um conjunto de sujeitos individuais fixos, mas, em vez disso, é concebida como um fluxo de identidades contextualizadas (...) por gênero, classe, raça, identidade étnica, preferência sexual, educação, função social, etc. (...) essa afirmação da identidade por meio da diferença e da especificidade é uma constante no pensamento pós-moderno (Hutcheon, p. 86)
É a problematização da expressão – por meio da contextualização na situação enunciativa – é o que transforma o ex-cêntrico no pós-moderno ( Hutcheon, p.99)
Ao rejeitar simplificações maniqueístas, como a oposição binária Outro X outro, alta cultura X cultura de massa, tanto Pós-Colonialismo como Pós-Modernismo – e assim podemos afirmar que “pós” significa, em ambos os casos, “além, mas vinculado a” – questionam estereótipo artísticos e sócio-culturais inerentes à condição (pós-)colonial e (pós-)moderna, desafiando as narrativas ocidentais canônicas, ou narrativas mestras, no sentido de construir uma estética autônoma e representativa da condição humana em uma época que fronteiras e certezas se reconfiguram.
No pós-moderno não existe dialética: a auto-reflexão se mantém distinta daquilo que tradicionalmente se aceita como seu oposto – o contexto histórico-político no qual se encaixa. O resultado dessa deliberada recusa em resolver as contradições é uma contestação daquilo que Lyotard chama de narrativa-mestras totalizantes de nossa cultura, aqueles sistemas por cujo intermédio costumamos unificar e organizar (e atenuar) quaisquer contradições a fim de coaduná-las (Hutcheon, p. 12)
A muitas margens do autor
Caryl Phillips nasceu em 1958, na ilha caribenha de São Cristóvão. No mesmo ano foi levado à Inglaterra pela família. Lá, cresceu em Leeds, uma cidade universitária. Já adulto mudou-se para os Estados Unidos, onde é professor de inglês, na Universidade de Colúmbia. Divide sua residência entre Nova Iorque e Londres.
Sua carreira, marcada por sua experiência de imigração e choque cultural, começou, em 1980, com a peça Strange Fruit – homônima da canção interpretada por Billie Holiday (anexo 1) – “um intenso estudo sobre uma família negra atada a duas culturas”. Seu primeiro romance, The Final Passage (A Passagem Final), editado em 1985, é um “retrato tragicômico de esperança e deslocamento” dos negros que saíram das Índias Ocidentais em busca de oportunidades de emprego na Inglaterra, sua “pátria-mãe”, sendo recebidos com placas de "Não há vagas para negros".
Prosseguindo no estudo das seqüelas do choque colonial, Phillips amplia a abrangência da questão. Muito mais do que o racismo, seus romances, peças, roteiros de cinema e ensaios oferecem uma profunda reflexão sobre o deslocamento e a fragmentação do sujeito, a segregação e objetificação do outro, do diferente, ou das assim chamadas “minorias”.
Tanto a profundidade temática quanto o tratamento estético de seus romances renderam-lhe o título de Escritor Jovem do Ano, em 1992, pelo jornal Sunday Times. No ano seguinte foi finalista do Prêmio Booker, com seu romance Crossing The River (Atravessando o rio). Por meio de quatro narrativas em diferentes espaços e momentos históricos, unidas pela idéia de uma memória comum, essa obra aborda a diáspora africana desde suas origens até sua seqüela atuais. A Distant Shore (Uma Margem Distante), objeto deste estudo, obteve o Prêmio Commonwealth para Escritores, em 2004. (http://www.carylphillips.com).
“ ‘A Distant Shore’ gives you a lot to think about; Phillips builds his fiction around provocative issues[1]”, afirma Rand Cooper, em crítica no New York Times (Cooper, 2003). Em seus ensaios intitulados A New World Order (Uma Nova Ordem Mundial) e Silent Minory (Minoria Silenciosa), ele explicita seu “assunto provocativo” preferido: retratar o ser humano frente à desestabilização das identidades absolutas, de conceitos fechados e formas tradicionais.
Phillips reflete ainda, sobre sua condição “transgressora”, como decorrência última do deslocamento consequente do choque colonial, a diáspora. Considerado caribenho na Inglaterra, inglês em São Cristóvão, “ocidental” na África, afro-descendente em Nova Iorque, de onde é ele, afinal? Qual é sua identidade cultural?
The puzzled Nigerian girl looks at me and asks, "Are you a black man or a white man?" We are in a bar in Antwerp's red-light district where the girl's job is to sell her body to white men, many of whom are supporters of the far-right Vlaams Blok party. Her native Nigeria is far away. My accent and demeanour baffle her [2](Phillips, 2004).
Ao descrever suas viagens, saindo do Caribe em que nasceu; “voltando” para a África de seus ancestrais, revisitando a Inglaterra onde foi educado e mudando-se para os Estados Unidos, sua frase recorrente e conclusiva é “I recognise the place, I feel at home here, but I don’t belong. I am of, and not of, this place[3]”. Suas raízes estão em todas as partes e em lugar nenhum. E é justamente contra essa apreciação “vegetal” de identidade cultural, herança do pensamento racionalista ocidental ou pós-iluminista, que sua obra se insurge. Por meio da literatura, procura contribuir para a discussão da necessidade da revisão de concepções culturais, sociais e artísticas cerradas, assim como da ampliação do próprio conceito identidade(s) mais abrangente(s), multiculturais e híbridas. Sua opinião é que a assim chamada crise de identidade pós-moderna é, na verdade, o nascimento de uma Nova Ordem Mundial que, ainda que não isenta de complicações, abandonará paulatinamente a cosmovisão baseada em oposições binárias do tipo branco/negro, local/forasteiro, ou civilizado/bárbaro:
(...) this boy has had to understand the Africa of his ancestry, The Caribbean of his birth, the Britain of his upbringing, and the United States where he now resides, as one harmonious entity. He has tried to write in the face of a late-twentieth-century world that sought to reduce identity to unpalatable clichés of nationality or race. He has learnt to accept his transgressive nature. But he knows that the world is changing. In this new world of the twenty-first century we all are being dealt an ambiguous hand, on which may eventually help us to accept the dignity which informs the limited participation of the migrant, the asylum-seeker, or the refugee. As the laborious certainties of the old order continue to fade, and the volume of the global conversation increases, ambiguity embraces us [4](Phillips, 2002, p. 6).
No mesmo sentido, o autor acrescenta: Among other things, I said that whether we liked it or not we were all becoming multicultural individuals. This was not only inevitable, it was also highly desirable [5](Phillips, 2004). Necessário e incutido na literatura da instauração dos Estados-Nação, o conceito de identidade nacional “pura”, que traz em seu bojo também o de raça pura, tem como uma de suas implicações a segregação contra o “diferente”, com a agravante de que o que se considera “normal” tenha suas tensões existenciais aliviadas.
Assim, retratadas em sua condição de identidade cultural negada, as personagens de Phillips, raízes à mostra ou arrancadas, têm que lidar com o legado de diásporas, sejam econômicas ou políticas, transnacionais ou intercomunitárias e, principalmente, com a fragmentação do sujeito que subjaz ao processo. Sua obra como um todo desvela a questão do deslocamento do indivíduo, tão cara aos debates dos Estudos Culturais e da Pós-Modernidade, em que o racismo, o machismo e outras formas de segregação são somente algumas das seqüelas.
O breve encontro das margens
O que uma inglesa, professora de música aposentada, que se incomoda com a perda das tradições teria em comum com um refugiado africano, faz-tudo, fechado em sua carapaça de cortesia? Uma margem Distante revela como e quando essas duas vidas totalmente diferentes se encontram em Weston, uma cidadezinha no norte da Inglaterra. Na superfície do texto, temos a representação das seqüelas do choque colonial. A personagem britânica representa a ex-metrópole, um tanto perdida em sua identidade cultural, enquanto que a africana representa a ex-colônia que tenta não contra-atacar, mas buscar refúgio na pátria-mãe. À medida que lê, no entanto, o leitor se dá conta de que nada é tão simples assim. Como legitima ficção pós-moderna, descreve-se a diferença, mas não como contraposição de dois termos opostos:
“a diferença sugere a multiplicidade, a heterogeneidade e a pluralidade, e não a oposição e exclusão binárias” (Hutcheon,p. 89).
Os discursos pós-modernistas (...) tentam escapar à armadilha da inversão e da valorização do outro, de transformar a margem em centro, uma mudança que muitos consideraram como um perigo para o privilégio que a desconstrução dá à escrita e à ausência em detrimento da fala (...).(Hutcheon, p. 94)
O autor começa com o apagamento de fronteiras e certezas na construção do romance. Este é dividido em cinco partes, à guisa de capítulos, sem títulos, somente números romanos, que aparecem apenas após o primeiro trecho. Cada seção acontece num espaço diferente, tem um narrador, focalizadores e focalizados distintos, apresentados por meio de vozes que se mesclam, sobrepõem ou simplesmente trocam de lugar. Não se pode precisar quem está narrando:
O narrador pós-moderno é o que transmite uma “sabedoria” que é decorrência da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação que narra não foi tecida na substância viva da sua existência. Nesse sentido, ele é o puro ficcionista, pois tem que dar “autenticidade”a uma ação (...). Esta [autenticidade] advém da verossimilhança que é produto da lógica interna do relato. O narrador moderno sabe que o “real” e o “autêntico” são construções de linguagem (Santiago, p. 40).
O tempo e o espaço da narrativa também são mudados sem marcação nos fluxos de consciência, monólogos interiores e relatos entremeados.
Já desafiado com essas analepses (flashbacks) e prolepses (flashforwards), o leitor embrenha-se pela segunda parte em outro tempo-espaço, sem entender como a personagem principal (ou focalizado) deste trecho se relaciona com o focalizado da parte anterior. Pode pensar, até um parágrafo antes de terminá-la, que se tratam de relatos independentes, ou até mesmo contos, caso não tenha atentado ao subtítulo “romance”, presente na capa (no original e na tradução). Essa diegese fragmentada desafia o leitor experiente, provocando uma sensação de desnorteamento similar à que sofrem as personagens principais:
O (...) debate contemporâneo sobre as margens e as fronteiras das convenções sociais e artísticas é também o resultado de uma transgressão tipicamente pós-moderna em relação aos limites aceitos de antemão: os limites de determinadas artes, dos gêneros ou da arte em si (Hutcheon, p. 26)
A forma transgressora do romance é usada para retratar o encontro de duas naturezas também transgressoras, como a de seu autor: de um lado, a professora de música aposentada, Dorothy Jones; de outro, o organizado zelador, vigilante e motorista voluntário do modesto conjunto habitacional em que moram, Solomon Bartholomew.
Ele, cerca de trinta anos, um negro extremamente cortês, “um pouco subnutrido” mas “bonito”, segundo o olhar da própria Dorothy (Phillips, 2006, p. 19 e 21). Ela, a caminho aos sessenta, branca, também “reservada. É muito bonita para a idade. Uma mulher decente (...)” (Phillips, 2006, p. 325) cuja dignidade Solomon admira: duas buscas que convergem para um mesmo tempo e espaço, um breve encontro das margens.
Solomon vê-se obrigado a emigrar de um país da África, retalhado por uma guerra civil. Como inglês é também língua oficial em seu país, ruma à Inglaterra, onde não encontra a apregoada civilidade que esperava. A opinião pública da pátria-mãe o identifica como o negro sexualmente ameaçador – é acusado de estupro -, como o forasteiro que usurpa o emprego do local ou, simplesmente, como bode expiatório, adequado porque inferior ou “selvagem”, como é chamado pelos carcereiros da prisão em que aguardava julgamento e pela imprensa marrom.
Dorothy nunca saiu do país. Ela apenas muda de cidade. Primeiramente, ao casar-se. No tempo presente da diegese – ao que tudo indica, 2003 -, após ser abandonada pelo marido e aposentada compulsoriamente, dirige-se o mais próximo possível de sua terra natal, numa tentativa de voltar às origens e recomeçar a vida. No entanto, crê que algo está errado com sua “casa”. Ela não se sente bem ao não poder diferenciar os britânicos “autênticos”, que “pertencem” à Inglaterra, dos imigrantes. Embora se considere conciliadora, pois jamais se engajara em uma discussão, suas identidades de “inglesa bem educada” e de “nascida na classe trabalhadora” chocam-se, fazendo-a sentir-se cindida entre tolerar e rebelar-se contra os diferentes. Paradoxalmente, os modos educados de Solomon, a pessoa mais diferente do condomínio, são exatamente como os dela, e a alcançam em seu isolamento voluntário.
Em sua busca por um porto seguro, algo que possam chamar de lar, um e outro se deslocam no espaço – pelo que são também considerados deslocados socialmente em suas comunidades de destino. Ainda que tenham, aparentemente, apenas o idioma como fator comum, reconhecem-se como iguais na sua tentativa de esquecer – ou esconder - sofrimentos passados e de estabelecer interações humanas. Ambos tentam mitigar mutuamente sua solidão, tentam contar sua história reagindo, cada um a sua maneira, ao preconceito que sofrem em Weston. Note-se que a representação do reencontro colonial desdobra-se em muitos outros pontos de contato. Quem é o diferente?
O trajeto de Dorothy compreende apenas sete quilômetros; ainda que percorra quilômetros em sua “viagem” interior; já Solomon transpõe um oceano e percorre dois continentes. Tanto a identidade cultural inicial como a idealizada, que pareciam sólidas, são diluídas. Trágica, essa busca de enquadramento a uma identidade social fechada acaba no aniquilamento de ambos, seja com morte psicossocial de Dorothy, que foge para os recônditos de sua própria mente; seja com a morte real de Solomon, assassinado por delinquentes racistas. O deslocamento físico e psicológico das personagens é representado pela narrativa fragmentada e incerta, que desestabiliza o leitor, fazendo-o sentir a mesma falta de estabilidade. Note-se que tradicional centro (Inglaterra) e periferia (país na África) também são deslocados:
O romance pós-modernista questiona toda aquela série de conceitos inter-relacionados que acabaram se associando ao que chamamos, por conveniência, de humanismo liberal: autonomia, transcendência, certeza, autoridade, unidade, totalização, sistema, universalização, centro, continuidade, teleologia, fechamento, hierarquia, homogeneidade, exclusividade, origem (Hutcheon, p. 84).
Vejamos como isso se dá, capítulo a por capítulo.
Parte I
No primeiro excerto, Dorothy e sua incansável busca pelo lar - como sua homônima de “O Mágico de Oz” – como narradora em primeira pessoa, homodiegética, uma vez que conta sua própria história, além de intradiegética, porque participa dela, vai se revelando paulatinamente ao leitor. Este pode montar a imagem de Dorothy, já que tem acesso a sua mente: uma mulher de meia-idade, abandonada após quase trinta nos de casamento, que tenta desesperadamente agradar à figura masculina, na sua busca do lar. Dorothy constrói sua identidade psíquica à da esposa, ou da companheira que vive à sombra do modelo masculino.
Por seu fluxo de consciência sabemos que ela foi, há pouco tempo, aposentada antecipadamente e comprou uma casinha no condomínio de Stoneleigh, situado – mas separado – na pequena cidade de Weston, a sete quilômetros de sua cidade natal, reiteradamente chamada de “casa”. O foco desse fluxo é a separação. Passa muito tempo refletindo sobre cisões, sejam dentro da família, sejam dentro da comunidade e um modo de conciliação.
Sua vida aí se resume às aulas particulares de piano dadas à uma adolescente, Carla; às idas ao bar, em Weston, ao cemitério e ao “médico especialista” (Phillips, 2006, p.20) em pressões psicológicas[6], na cidade (a “casa”). Nesse trajeto à casa, pode conversar com Solomon. Esses três núcleos, pub, cemitério e psiquiatra logo ocupam todo seu tempo e energia psíquica. Carla abandonara as aulas devido ao comportamento estranho de sua professora.
Dorothy, ainda que faça esforços para tolerar a diferença, tem necessidade de separar os britânicos “autênticos”, que “pertencem” à Inglaterra, das pessoas “de fora“, para sentir-se segura. O romance começa assim:” Hoje é difícil dizer quem é daqui e quem não é. Quem faz parte e quem é um estranho: É perturbador. Não parece certo” (Phillips, 2006, p. 07). [7] Ela acabara de voltar para “casa”, mas a encontra diferente. A segurança do lar está estremecida:
Num país que é agora um repositório de culturas africanas e asiáticas, o sentimento do que significa ser britânico nunca mais pode ter a mesma velha noção de confiança e certeza. Um tipo diferente de mudanças (...) está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais (...) abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados (Hall, p. 9).
Do mesmo modo, apesar de crer que deveria, era-lhe difícil ensinar música a crianças de classes sociais diferentes coexistindo numa mesma escola: ela sempre fizera a distinção entre “arruaceiros” e alunos difíceis, agradecendo o fato de “a aposentadoria antecipada salvá-la”[8]: “De repente me pediram para ensinar qualquer um que chegasse à escola – pediram a todos nós. Eu não me importo com crianças difíceis, mas coloco meu limite nos adolescentes arruaceiros” (Phillips, 2006, p. 10). Também a aborrecem sobremaneira os vândalos que freqüentam o único pub de Weston, que depredam o lugar, idolatram suas motos e trocam carícias obscenas em público. Esse comportamento não se encaixa no perfil de ingleses bem-educados, do qual Dorothy julga fazer parte. Sua reação silenciosa é sempre um olhar de censura que traduz que nenhum deles tem o direito de agirem assim.
Mais do que estrangeiros e delinquentes, porém, quem a transtorna são os sem-teto: “(...) sempre que vou à cidade são os sem-teto que me incomodam mais, e a coisa aterrorizante é que eles parecem estar em todos os lugares. (...) Eles têm saúde, e não são retardados. (...) É só um desperdício premeditado, só isso, e acredito que a maioria faz de propósito, porque são preguiçosos e querem compaixão.”[9] (Phillips, 2006, p. 17). A casa, sua cidade natal, agora está suja, com moradores de ruas clamando por dinheiro, comendo de latas de lixo, com seus curativos ulcerados. Isso é realmente ultrajante para ela. Não há desculpa para a sujeira, nem para o fato de eles enfeiarem as ruas, ou atrapalharem sua locomoção: “Entre as numerosas corporificações da sujeira capaz de minar padrões (...) são outros seres humanos que são concebidos como obstáculo para a apropriada “organização do ambiente”, (...) que se torna sujeira e é tratada como tal (Bauman, p. 17). Assim Dorothy os trata, como se fossem uma sujeira que atravanca as ruas. Ela fica “feliz por papai não estar aqui para ver o que aconteceu com a cidade dele.[10]” (Phillips, 2006, p. 18)
A confusa professora não é capaz de entender o que a aborrece, ou o que sem-teto e forasteiros têm a ver com essa sensação de deslocamento, de não pertencer mais ao lugar. Entretanto, o fato é que a mera existência desses Outros em seu território seguro abala seu arranjo social, sua necessidade de pertencer a uma identidade pura e estável, como “britânicos”, ou até mesmo “os ingleses refinados”, principalmente no tocante à limpeza e boas maneiras: “A pureza é um ideal, uma visão da condição que (...) precisa ser diligentemente protegida contra as disparidades genuínas ou imaginadas (Bauman, p. 03)”. Colocar cada grupo em seu lugar, manter o padrão em que se sabia quem era da Inglaterra e quem não era., crê Dorothy, traria a segurança de que precisa. O que ela – e todas as pessoas que experimentam a referida crise identitária característica do fim do século XX - é que conceitos como “ingleses cultos” referem-se a grupos que na prática não existem ou, pelo menos, não como um grupo organizado, capaz de oferecer um retorno de qualquer tipo a seus integrantes. Foram, no entanto, incutidos na formação do Estado–Nação, e cultivados muito tempo depois, até o presente momento. O próprio pai de Dorothy, por exemplo
“acreditava que os galeses estavam cheios de estupidez sentimental, que os escoceses eram desesperadamente maus e sem energia e deveriam ficar do seu lado do Muro de Adriano, e que os irlandeses eram católicos bêbados e violentos. Para ele, ser inglês era mais importante do que ser britânico, e ser inglês significava não ser de cor. (...) da mesma forma que os professores da escola, que também odiavam as pessoas de cor“ (Phillips, 2006, p. 51).
Como ele, muitos ingleses (e galeses, e escoceses, e irlandeses, e alemães etc) acreditam que conservar os grupos sociais separados é necessário e suficiente para manter a ordem pública, assim como a oferta de emprego e os costumes que retroalimentarão a demarcação do espaço de cada identidade , sem atentar para o fato de que ela são construtos culturais, inventados num momento em que se fazia necessário implantar um sistema de governo:
É isso que as “pessoas do lugar” (que, efetivamente só podiam pensar em si próprias como tal, e arvorar-se nisso, na medida em que se opusessem a “estranhos”) (...) quando o cuidado com a ordem significou a introdução de uma nova ordem (...) artificial, (...) coincidiu com o advento da era moderna (Bauman, p. 19/20).
Não obstante não se atreva a discutir com o pai, nem com os colegas de trabalho, Dorothy pensa que as pessoas “de cor”, se educadas e contidas tal como ela mesma, podem entrar na categoria em que pertence. Ficariam fora dela os que não se adaptam ao comportamento civilizado típico do país. As maneiras pulcras do vizinho, somadas a sua solidão e, principalmente, seu autocontrole, a fazem diferenciá-lo dos forasteiros comuns, e a identificar-se com ele. Assim, o malestar que Dorothy sente com relação a forasteiros, ciganos, sem-teto e “indianos que comandam a economia” não afetam Solomon, cujos modos a fazem aceitar – e ela é a única moradora do lugar que o faz - que a leve à cidade, como chofer voluntário.:
“A maneira como se veste, ou corta a grama, ou penteia o cabelo com aquele repartido de navalha amolada. Tudo é feito com a mesma precisão. (...) Como eu, ele é um solitário. (…) Mas Solomon é diferente. (…) Ele também usa luvas para dirigir, e eu gosto disso. (…) É elegante e cuidadoso, e faz com que me sinta segura” (Phillips, 2006, p. 20/21).[11]
Portanto, apesar de apresentar características dos “estranhos”, como ser negro,estrangeiro e, de alguma forma, um pouco inferior, o faz-tudo e vigilante noturno do condomínio mostra-se um perfeito cavalheiro, um ouvinte compreensivo e sensato, o único vizinho com quem ela mantém contato: “Ainda somos estranhos um para o outro, que dirá para os outros moradores. O homem de cor um pouco subnutrido do pequeno chalé próximo ao meu é o único que vejo regularmente.[12]” (Phillips, 2003, p. 19). Esse liame, ainda que limitado, é o que ainda mantém a identidade e a sanidade de Dorothy relativamente íntegras:
O conceito de Outro não é puramente instrumental: longe de existir para servir à unificação dos fenômenos, pode-se dizer, ao contrário, que certas categorias de fenômenos parecem existir somente para ele. (...) os acontecimentos de minha experiência é que servem para constituir o outro enquanto Outro, ou seja, enquanto um sistema de representações fora de alcance, como objeto concreto e cognoscível. (...) É porque, com efeito, o Outro não é somente aquele que vejo, mas aquele que me vê (Sartre, p. 297).
Os outros vizinhos, no entanto, não funcionam como Outro, como um espelho possível para ela. Apesar de branca e britânica, características de quem é do lugar, como Dorothy crê, ela considerada uma estranha pelos membros da comunidade. Suas ausências, atitudes excêntricas e atitude superior não a fazem se integrar. Ao mesmo tempo, seus monólogos interiores revelam ao leitor suas relações familiares disfuncionais. O que deveria ser o núcleo provedor de segurança, o pai, minara constantemente sua auto-confiança, criticando suas atitudes ou tratando-a como “o filho que nunca teve.” O papel machista do pai, junto ao submisso e calado da mãe, fundamentais na organização de seu Eu, seguem atuando em sua dinâmica de relações. Daí a necessidade de visitar constantemente o cemitério. Ainda mortos, suas figuras de Outro a dominam de tal maneira que ela tem que ir ao cemitério pedir-lhes permissão para ler a carta de sua irmã caçula, Sheila. Isso é bastante estranho, porquanto Solomon e o Dr. Wiliams (o especialista) já mencionaram o fato de a irmã estar morta, ainda que haja uma dúvida razoável: talvez a carta tivesse sido enviada antes de ela ter morrido.
Em suas divagações e “conversas” com os pais no cemitério, Dorothy deixa o leitor entrever um possível abuso sofrido por Sheila. Sente-se culpada pela violência cometida por seu pai: por não ter dito nada, por não tê-la defendido, por ter ido à universidade deixando a caçula à mercê do pai, mas, especialmente, por ter tido preterida na escolha do desejo do pai. O ato que provocou a dor psíquica e a conseqüente culpa, silenciada muitos anos, aparecem fragmentados, uma e outra vez na narrativa, até serem elaborados por meio do discurso:
Depois que Sheila morreu, eu escrevia para mim mesma, fazendo de conta eu era ela quem estava escrevendo. Minha Sheila imaginária que gostava de mim e ainda precisava de minha ajuda. Mas minha covardia me fizera perder minha irmã real. Minha pobre, atormentada Sheila. O xodó de papai [13](Phillips, 2006, p. 82).
Ela só reconhece esse fato após ter ido “visitar” a irmã no litoral, a alguns quilômetros dali. Essa pequena viagem foram também uma escusa para testar Solomon, para dar-lhe tempo de sentir sua falta. Pouco antes, Solomon lhe contara que recebia cartas ameaçadoras. Dorothy, novamente, sentiu-se culpada pela violência cometida por seus pares, ao mesmo tempo em que interpretou a confidência como uma prova de amor: Dorothy só tenta construir seu Eu à imagem do um homem. Segundo Sartre, ela, como grande parte das mulheres o faz, por necessidade de adequação ao papel social que lhe é designado, adota a primeira atitude para com o Outro, o amor, a linguagem, o masoquismo o, ela opta em ser para-o-Outro. O filósofo explica que o masoquista tenta definir seu Eu tentando mimetizar-se no objeto amado, embora “não se trate aqui, de modo algum, de relações unilaterais com um objeto-em–si, mas sim de relações recíprocas e moventes (Sartre, p.454). Dorothy afirma que “Eu só queria ser feliz, digo, e sabia que Solomon era um homem que poderia me fazer feliz.” (Phillips, 2006, p. 75)
Suas lembranças, cada vez mais confusas (por vezes a irmã está viva), apresentadas com violentas alternâncias de tempo e espaço, e em um ritmo mais acelerado, informam que policiais a avisam de que Solomon está morto, provavelmente afogado. Corta-se o último fio que prendia Dorothy à realidade. Fôra-lhe negada a última tentativa de identificação com um igual, a identidade de Dorothy se fissura:
(...) ter uma identidade solidamente fundamentada e resistente a interoscilações, tê-la “pela vida” revela mais uma desvantagem do que uma qualidade para aquelas pessoas que não controlam suficientemente as circunstâncias de seu itinerário de vida (Bauman, p. 38).
Definitivamente, as repetidas frustrações de encontrar uma Outro terminam por transtorná-la. Desvairando, vai ver pessoalmente o canal em que o encontraram, duvidando do empenho da investigação. Sobrepondo uma lembrança à outra, a narradora perturba também o leitor, que já não pode determinar a ordem dos acontecimentos.
Quase em seguida à visita da polícia, sua ex-aluna, Carla, conta-lhe que presenciara a morte de seu amigo. Seu namorado, Paul e os colegas skinheads pediram que a jovem chamasse Solomon para ajudá-los com o carro que, obviamente, não estava quebrado. Queriam “apenas se divertir, assustá-lo”. Solomon, ao ser amarrado, reagira furiosamente e fora golpeado na cabeça, com pedras, por Paul e seus companheiros (Phillips, 2003, p. 63/54), numa reação análoga à que os faz depredar seu único espaço de lazer na cidade, o bar, a necessidade de aliviar a tensão, querem mostrar que ainda tem algum poder decisório em suas vidas.
Como Dorothy, sentem-se excluídos da comunidade. Também sentem a necessidade de uma identidade pura, que é conspurcada pela presença de imigrantes como Solomon, que tem a agravante de ser negro, e de ter um emprego. Assim, os skinheads escolhem, de acordo com Sartre, a segunda atitude para com o Outro a saber, a indiferença, o ódio, o sadismo. Sartre explica que o sádico transforma o Outro em objeto do desejo, em pura carne, sem essência, e o odeia, para proteger sua ilusão de ser completo:
(...) meu projeto fundamental com relação ao Outro – qualquer que seja a atitude que adote – é duplo: por um lado, trata-se de me proteger contra o perigo que me faz correr meu ser-fora-na-liberdade-do-Outro, e, por outro lado, de utilizar o Outro para totalizar finalmente a totalidade-destotalizada que sou, de modo a fechar o círculo aberto e fazer com que eu seja, por fim, fundamento de mim mesmo. (...) defendo-me experimentando o Outro, e resta-me a possibilidade de transformar o Outro em objeto (p. 475).
Solomon, assim, serve tanto de bode expiatório como de elemento regulador da ordem, o objeto a ser odiado e destruído. Os jovens, de fato, querem eliminar a ameaça a seu grupo social e afirmar-se como Eu: “Trata-se de me proteger contra o perigo que me faz correr meu ser-fora-na-liberdade-do-Outro, e, por outro lado, de utilizar o Outro para totalizar finalmente a totalidade destotalizada que sou (p.475)”.
Dorothy leva a carta ameaçadora de Paul, que Carla trouxera, para ser exposta no mural do bar. Sentindo-se incapaz de responder às agressões ou de contribuir efetivamente na investigação da morte do amigo, ela “envia” a carta de volta a Weston, a comunidade que o matara. Visivelmente transtornada, a caminho do ponto de ônibus, tenta limpar o carro de Solomon, como ele costumava fazer. Sem estar preparada, usa o casaco, que esconde na sacola.
Vai ao cemitério “conversar” com os pais, que desta vez respondem. Confiante em dizer-lhes o que não pôde enquanto estavam vivos, tenta defender o amigo morto, dizendo que era fora o homem mais cavalheiro que conhecera. O pai não aprova a relação com um homem negro, e a mãe chora. Alterada com as “respostas” racistas de seus pais com relação a Solomon, Dorothy , na volta à casa, entra em uma luta corporal com uma mendiga e é levada ao hospital psiquiátrico. Aí, tempo e espaço onde é produzida a narrativa, tenta organizar os fatos, aceita os cuidados do pessoal na sua “convalescença”, até que sua memória volte. Como a mãe, usa o silêncio como forma de rebelar-se. A amizade entre Dorothy e Solomon fora interrompida tanto externamente, pelos skinheads que o atacaram brutalmente, como internamente, pela fissura na personalidade de Dorothy, que decide escapar para dentro de si mesma: ”percebi que não há como continuar vivendo entre essas pessoas” (Phillips, 2006, 0. 69).
Referências
ASHCROFT, Bill; GRIFITH, Gareth; TIFFIN, Helen (Edited by). The post colonial Studies Reader. Oxford: Routledge, 2006.
BAUMAN, Zygmunt. Trad. Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade
HUTCHEON, Linda. Trad. Ricardo Cruz. Poética do Pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
PHILLIPS, Caryl. A New World Order (Essay). New York, London: Vintage International, Toronto, 2002.
PHILLIPS, Caryl. A Distant Shore. New York: Vintage Books, 2003.
PHILLIPS, Caryl. The silenced minority. The Guardian, 15/05/2004. Disponível em http://www.guardian.co.uk/books/2004/may/15/society.politics, acesso em 07;08;2010.
PHILLIPS, Caryl. Uma margem distante. Trad. Maria José Silveira. Rio de Janeiro: Record, 2006.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: USP;34, 1999.
SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. De Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1997
WILLIAMS, Raymond. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. Trad. Sandra G. Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2007.
[2] A garota nigeriana me olha confusa e pergunta: "Você é negro ou branco?" Estamos em um bar no bairro da luz vermelha [zona de prostituição] em Antuérpia, onde o trabalho da menina é vender o corpo a brancos, muitos dos quais simpatizantes do partido ultraconservador [e racista] Vlaams Blok. Sua Nigéria natal está longe. Meu sotaque e maneiras a confundem.
[3] Reconheço o lugar, sinto-me em casa aqui, mas não faço parte dele. Sou daqui e não sou.
[5] Entre outras coisas, afirmei que, queiramos ou não, estamos nos tornando indivíduos multiculturais. Isto não só é inevitável, como altamente desejável.
[6] (...) Dr. Williams is not a proper doctor, more of a specialist. In psychological pressures. (Phillips, 2003,p. 13)
[10] I’m glad that Dad isn’t here to see what’s become of his town. (Phillips, 2003, p. 11).
[12] We’re still strangers to each other, let alone to the other villagers. The (...) coloured man in the small bungalow next door is the only one I see regularly” (Phillips, 2003, p. 12).
[13] After Sheila died I wrote to myself and pretended it was her doing the writing. It was all I had left of her. My imaginary Sheila who likes me and still needs my help. But my cowardice had lost me my real sister. My poor, grieving Sheila. Daddy’s little pet Phillips, 2003, p. 62 .