quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Manipulando o tempo (e as paixões) no cinema: Déjà vu e A casa do lago


Brunilda Reichmann
Prof.ª Dr.ª Uniandrade.

Há décadas e de várias maneiras cineastas procuram manipular o tempo em suas produções, sendo a ficção científica uma das várias formas de trabalhar a inexorabilidade do assunto. Na atualidade, os filmes Déjà vu (produção de Jerry Bruckheimer e direção de Tony Scott) e A casa do lago (produção de Dou Davison e Roy Lee e direção de Alejandro Agresti), ambos de 2006, oferecem uma visão (nem tão diferenciada nem inovadora) que dificilmente deixará de agradar à plateia. Nos dois filmes, os produtores criam uma situação onde o cerne é a consumação de um romance entre um homem e uma mulher que não se conhecem. Mesmo sem conhecer o outro, o sentimento faz com que os envolvidos tentem manipular o tempo e “resgatar” a amada ou o amado em outro tempo que não aquele em que vivem. 
Em Déjà vu, o detetive Doug Carlin (interpretado por Denzel Washington) é levado a uma estação especial onde, de acordo com seus operadores, a tecnologia os possibilitou gravar até quatro dias e meio no passado e reproduzir o material, mas note-se: sem possibilidade de replay. Acontece que a sagacidade do detetive o faz interferir na suposta projeção e ele recebe uma resposta, da mulher, que supostamente estava no passado, diante de seus olhos, no presente. Carlin constata, portanto, que o aparelho não está reproduzindo uma gravação, mas registrando um passado que está sendo vivido no presente. A explicação considera aspectos da física quântica, a possibilidade de que o tempo pode ser dobrado. O passado surge como presente diante dos olhos do detetive, explicam os operadores. Fantástico como possa parecer, o protagonista, interessado em salvar “a mocinha”, Claire Kuchever (papel desempenhado por Paula Patton), decide entrar na “máquina do tempo” que o levará a um momento anterior ao assassinato dela e à explosão da barca em New Orleans. A suspensão voluntária da descrença, expressão usada pelo poeta inglês Coleridge, faz com que o espectador vibre a cada passo bem sucedido do “mocinho” dentro da parafernália da indústria cinematográfica estadunidense déjà connu, pois o papel do protagonista é desempenhado com maestria. Não serão as perguntas sem respostas que deixarão o espectador frustrado. O romance entre os casais se realizará; portanto, se a manipulação do tempo não convence, a manipulação dos sentimentos certamente o faz. 
As mesmas afirmações podem ser feitas a respeito do filme A casa do lago, baseado no longa coreano Il mare. Esta produção coloca o famoso casal Sandra Bulloc (desempenhando a médica Kate Forster) e Keanu Reeves (desempenhando Alex Wyler, talentoso arquiteto) novamente juntos (obtiveram sucesso como casal em Velocidade máxima, de 1994).  Em A casa do lago, “a mocinha” é quem desvenda o fato de que ela e o homem por quem está apaixonada, mesmo sem conhecê-lo, vivem em tempos diferentes: Alex em 2004, e ela em 2006. Instigante e bem dirigido, nesta produção é “a mocinha” também quem descobre que terá que salvar o homem que foi atropelado (Alex) ao atravessar a rua na sua frente dois anos antes. Entre a intensa troca de correspondência e os muitos desencontros entre ambos, Kate consegue salvar seu amado, convencendo-o do futuro que ele não poderá ir ao seu encontro no passado. Nota dez para a manipulação do tempo, a complexidade dos roteiros e as perguntas sem respostas, que deixam o espectador aturdido, mas atento; intrigado, mas feliz com o encontro final – por que será que parece déjà vu? – dos casais nos dois filmes. Esta expectativa, tão antiga quanto o mundo, parece jamais falhar e não requer explicações: os apaixonados devem realizar suas paixões para a satisfação vicária do espectador.

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