Eunice de Morais
Nau Capitânia foi um dos livros mais vendidos no ano de 2000 em todo o país, quando rendeu ao jornalista Walter Galvani o Prêmio Literário Érico Veríssimo. Em 2001, em Havana, o Instituto Casa de las Américas reconheceu Nau Capitânia como maior destaque em Literatura Brasileira, na categoria romance histórico. O júri alegou que a “obra de Galvani tem como principal mérito destacar a figura humana do descobridor Pedro Álvares Cabral”. Nau Capitânia recebeu, ainda, o prêmio Jônatas Serrano, da Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores e, confirmando sua ambigüidade, recebeu o prêmio Clio de História do Brasil, concedido pela Academia Paulistana de História[1].
Já no primeiro capítulo da obra catalogada como narrativa histórica, Pedro Álvares Cabral, ficcionalmente localizado em “Santarém, 1518”, nos conta seus sentimentos saudosistas e arrependimentos em relação à viagem de 1500. Este primeiro capítulo de Nau Capitânia aponta para uma história que abusa dos recursos ficcionais para percorrer e questionar o tempo histórico.
Ao dar voz ao personagem histórico, fazendo-o migrar do mundo da história para um mundo ficcional, Walter Galvani ficcionaliza uma narrativa que se pretende histórica e, paradoxalmente, não a destitui da “pretensão à verdade” [2] histórica. Talvez seja esta “pretensão à verdade” o que justifica o fato de a obra ter sido caracterizada como histórica, mas a análise de sua narrativa pode propor uma outra caracterização que, pela falta de termo mais apropriado, insistimos em denominar ficção histórica.
Para confirmar esta ficcionalização da narrativa, em que há a construção de uma verdade possível juntamente com uma verdade provável da história, analisaremos Nau Capitânia considerando as reflexões de Paul Ricoeur apresentadas no Tomo III de Tempo e narrativa (1994), especificamente quando trabalha sobre a “ficção e as variações imaginativas do tempo”. Neste capítulo, Ricoeur aponta como a característica mais visível que opõe o tempo histórico ao tempo fictício (que entendemos como tempo da ficção) a “libertação do narrador” quanto à obrigação imposta ao historiador de “reinscrever o tempo vivido sobre o tempo cósmico” [3]. Ora, neste sentido a ficção histórica é aporética, pois institui o tempo da história tanto quanto o tempo da ficção, mas não se assemelha a nenhum deles em particular e se apresenta como uma terceira construção temporal de caráter híbrido.
[1] Informações disponíveis em http://www.waltergalvani.com.br/opinioes.html . Acesso em 08/09/2003
[2] RICOEUR, P. Tempo e Narrativa. São Paulo: Papirus Ed., 1994. Tomos I, II e III.
[3] RICOEUR, p. 218. Tomo III
OBS.: O TEXTO COMPLETO FOI APRESENTADO E PUBLICADO EM ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC/2006, REALIZADO EM PORTO ALEGRE.
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