sexta-feira, 1 de junho de 2012




CROMATISMO E CONSTRUÇÃO NARRATIVA

O filme Herói (China, 2004), de Zhang Yimou, que perpetua as histórias Wuxia, muito populares na cultura oriental, trata da construção narrativa, usando o cromatismo como principal artifício. O que poderia ser absolutamente simples ganha complexidade no filme, que usa a visualidade do cinema para tornar concreta a história contada por Sem Nome ao rei de Qin, para que, através da narração de seus feitos, possa se aproximar do rei, para matá-lo. O rei, porém, ouvinte astuto, questiona vários detalhes da história que lhe é contada, chegando mesmo a descobrir o real intento de seu interlocutor. A partir da primeira desconfiança do rei, a mesma história ganha novas versões e cada uma delas é representada por uma cor, recurso bastante significativo, já que, do começo ao fim do filme, em uma escala crescente, o rei (e também o espectador) aproxima-se da verdade.
As primeiras cenas, que contam a morte de Céu, dão destaque ao cinza e a um amarelo escuro, consideradas cores neutras e, portanto, indefinidas e pouco vistosas. A partir daí, para explicar a morte dos outros dois personagens, Neve e Espada Quebrada, Sem Nome conta diversas versões, representadas pelas cores vermelha, azul, verde e branca. Como se vê, a ordem vai de um tom quente para tons frios, bem como das cores puras para as misturas, como o verde e o branco, que simboliza a união de todas as cores. Essa progressividade é bastante significativa, porque indica que a história do herói ao rei se faz, na verdade, pela soma dos detalhes e das versões, até chegar à branca, que alude à multiplicidade e, por isso, é a verdadeira, permitindo a correção de alguns desvios feitos pelo narrador, na expectativa de conseguir cumprir sua missão, sem que seu intento fosse, antes, descoberto pelo rei.


O efeito dessa organização narrativa, no filme, coloca em pauta o ponto-de-vista, realçado pela multiplicidade de versões para uma mesma história e pelas cores que o diretor utiliza para apresentá-las. A consequência disso é que, obrigando o narrador a transitar pelos vários fragmentos de sua história, vai-se ampliando o panorama mostrado na película, fora o fato de o espectador ser convidado a participar do instigante jogo de narração e interpretação, travado entre o herói e o rei, igualmente hábeis nas funções que desempenham.


O uso de uma simples história para fazer o filme dá grande relevo ao parentesco inquestionável entre literatura e cinema, pois este, através da cor e do movimento, confere exuberante plasticidade à história. Acrescente-se, ainda, que a relação entre o cromatismo e as diversas versões possibilita o uso de recursos recorrentes na arte literária, como o flashback e a metalinguagem, afinal, o filme vai se construindo à medida que o narrador retoma a história, tornando-a mais clara e verdadeira, a cada nova interferência. Apenas a título de comparação, cite-se Rashomon (Japão, 1950), de Akira Kurosawa, que também investe nas diferentes versões, para tentar elucidar um crime, anunciado logo no início da história.     

(Resumo do trabalho apresentado pela Prof. Dra. Verônica Daniel Kobs, no VI Seminário de Pesquisa da Uniandrade)







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