quinta-feira, 6 de setembro de 2012

QUEM ESCREVEU SHAKESPEARE?

Profa. Anna Stegh Camati

Em julho de 2012, Anônimo (Anonymous) foi lançado em DVD no Brasil. O filme é polêmico e explora a ficcionalização de pessoas reais. Assim como Shakespeare apaixonado (1998), com roteiro de Marc Norman/ Tom Stoppard e direção de John Madden, que promoveu a dessacralização de Shakespeare ao representá-lo como um autor que sofre bloqueio criativo, o filme Anônimo (2011), dirigido por Roland Emmerich, muito mais do que endossar a teoria oxfordiana que atribui a Edward de Vere, 17º Conde de Oxford (1550-1604), a autoria das obras de Shakespeare, é, a meu ver, um jogo paródico que desconstrói inúmeras textualidades em torno dessa questão.
Em relação a essa problemática, há mais de 50 candidatos ao trono, ou seja, mais de 50 nomes propostos por pesquisadores diversos, dentre eles Francis Bacon, Walter Raleigh, Cristopher Marlowe, o Conde de Derby, o Duque de Rutland, e a própria Rainha Elisabete, além do Conde de Oxford. Há aqueles que acreditam que as obras de Shakespeare foram escritas por um grupo de Jesuítas ou por vários estudiosos da Maçonaria. Muitos baconianos sustentam que Francis Bacon não escreveu apenas Shakespeare, mas também obras de outros autores como Marlowe, Spenser, Milton, Montaigne etc. Todos esses candidatos fazem parte de um jogo detetivesco, porque as pessoas realmente interessadas em Shakespeare tendem a mergulhar no universo de suas obras e não se preocupam em decifrar identidades.
A imagem de Shakespeare foi denegrida tanto pelos oxfordianos como baconianos ou marlowianos que se referem a ele como “clown analfabeto e bêbado de Stratford-upon-Avon”, “tratante sórdido e mentiroso” ou “mascate desprezível”. Os idealizadores do filme representaram o bardo de acordo com essas características difundidas pelas facções anti-stratfordianas, não com o intuito de difamar Shakespeare, mas tão somente para colocar em xeque contradições e especulações.
Diversos estudiosos criticaram Anônimo porque o filme apenas mostra os preconceitos aristocratas em relação ao meio teatral considerado pouco respeitável na época e, em nenhum momento, discute a relação entre a vida e/ou as técnicas poéticas de Edward de Vere e os escritos atribuídos a Shakespeare, ou seja, o filme não explora os argumentos nos quais os oxfordianos se apoiam para fundamentar a questão da autoria. Acredito que essa omissão já é suficiente para definir a postura dos criadores que não objetivaram inserir no filme elementos para validar a teoria oxfordiana.
Mas posso dizer que vale a pena assistir ao filme pela representação do alvoroço de Londres e efervescência do teatro popular, pelas brincadeiras com o passado histórico ambientado na corte elisabetana e suas intrigas políticas, e pela mistura de fatos (encontrados em documentos) e ficções (fantasias e romances sobre Shakespeare e a questão da autoria), aspectos que propiciaram aos idealizadores do filme um rico material para a reinvenção.
Leiam a matéria Ser ou não ser, ainda a questão, escrita por Elaine Guarini, com a minha participação, no Valor Econômico, 13, 14 e 15 de julho de 2012. Ano 13. Nº 610.
Disponível em:
http://www.valor.com.br/cultura/2750110/ser-ou-nao-ser-ainda-questao#ixzz24gErpn2v