quarta-feira, 12 de junho de 2013

TEORIA DA NARRATIVA: LEITE DERRAMADO E SUAS DIVERSAS ABORDAGENS

Luiz Zanotti

Na próxima semana os alunos da disciplina Teorias da narrativa irão apresentar no CIEL (UEPG), diversos ensaios no Grupo de Trabalho “Leite derramado e suas diversas abordagens”. Estes ensaios mostram a diversidade de perspectivas teóricas possíveis de serem assumidas para a análise literária do romance de Chico Buarque. As diversas possibilidades da interpretação de uma obra literária estão baseadas em processos tais como a investigação do seu estrato linguístico e discursivo, a relação do texto com a história, aspectos sociais, psicológicos e políticos envolvidos, e mais recentemente, a interação do leitor com a obra, os estudos culturais e de gênero. Para Marisa Lajolo, estas diferentes perspectivas assumidas pelos estudos da literatura frente ao seu objeto muitas vezes coexistem e hoje em dia quase sempre se sobrepõe. Desta forma, dentro do panorama perspectivista contemporâneo, o Grupo de Trabalho buscará construir um panorama interpretativo da narrativa do protagonista Eulálio Montenegro d’Assumpção, um homem centenário, que faz um relato da sua existência através da derrocada de uma família tradicional carioca desde a Monarquia até os tempos atuais através da reflexão sobre as manifestações críticas e formulações teóricas suscitadas pela narrativa ficcional.
A minha contribuição está contida na problematização se o romance objeto deste GT é ou não um romance histórico, conceito construído pelo filósofo marxista George Lukács e que possui uma série de características, entre as quais a descrição da transformação da vida popular através de um conjunto de tipos humanos característicos. No entanto, para Seymour Menton (2010), a designação “histórica” deve ser somente utilizada apenas para os romances que tem a sua trama num passado que não foi experimentado diretamente pelo escritor. Desta forma, seria correto considerar Leite Derramado como um romance histórico, uma vez que parte da narrativa se passa durante um período contemporâneo ao autor?
Ainda dentro de uma linha que privilegia a História, “Relato de uma saga familiar: uma breve reflexão” de Syonara Fernandes aproveita a narrativa da crise brasileira e a derrocada da aristocracia nos últimos dois séculos para uma aproximação ao movimento Novo Historicismo e baseada no pensamento de Stephan Greenblatt, busca compreender a obra de Chico Buarque a partir do contexto particular da cultura e da época em que ocorreu a narrativa.
A crítica feminista aparece no ensaio que Ana Rosa Sana apresenta do retrato da mulher e seu papel na sociedade no início do século XX a partir da visão de Chico Buarque. No romance Leite Derramado esta imagem feminina aparece repleta de preconceitos e ideias desarticuladas do ancião com relação à esposa, a partir de determinadas convenções estéticas da época, que segundo Showater, interferem na prevalência do subjugo das mulheres pelos homens.
Carlos Alberto Alves analisa a obra de Chico Buarque de Holanda sob uma perspectiva psicanalítica. Embora a psicanálise tenha fins clínicos e terapêuticos, que diferem da literatura, Carlos afirma que ela se processa pela interpretação do discurso, quer seja oral - o mais comum na clínica – ou até mesmo escrito. Assim, dentro da imensa gama da teoria psicanalítica, é problematizado principalmente o conceito de livre associação elaborado por Sigmund Freud através de um diálogo entre a teoria psicanalítica e o texto literário.
A carnavalização de Leite Derramado está no centro do ensaio de Patrícia Penkal de Castro que identifica esta característica conceituada nos estudos de Bakhtin (2005). A carnavalização aparece como uma maneira de mostrar o mundo por intermédio da inversão de costumes e valores, ou seja, a tradição de uma sociedade é apresentada pelo chamado “mundo às avessas” que acarreta a eliminação de toda a distância entre os homens ocasionando o livre contato familiar entre eles, separados na vida diária por barreiras hierárquicas.
Dentro das últimas abordagens teóricas, Renata Vargas traz a teoria dos efeitos conceituada pelo teórico Wolfgang Iser (1996). A teoria dos efeitos analisa a interação entre o texto e o leitor, sendo que o texto ganha existência no momento da leitura. Neste sentido, Iser entende a recepção como noção estética que abrange um duplo sentido: o efeito produzido pela obra e a maneira como esta é recebida pelo público.
Leandro Amaral trabalha uma abordagem estruturada nos Estudos culturais, visando a reflexão sobre a dignidade da pessoa humana através de uma análise voltada a algumas situações apresentadas na obra em questão, bem como uma possível compreensão das inúmeras relações entre indivíduos. Finalmente, Winston Mello trabalha a desconstrução de Jacques Derrida, um passo adiante em relação ao estruturalismo “clássico”, resultado de um corte epistemológico na análise da estrutura através da inserção de um elemento temporal, a “differance”, no entendimento do constructo supostamente objetivo e não-histórico que seria o texto.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

QUEM ESCREVEU SHAKESPEARE?

Profa. Anna Stegh Camati

Em julho de 2012, Anônimo (Anonymous) foi lançado em DVD no Brasil. O filme é polêmico e explora a ficcionalização de pessoas reais. Assim como Shakespeare apaixonado (1998), com roteiro de Marc Norman/ Tom Stoppard e direção de John Madden, que promoveu a dessacralização de Shakespeare ao representá-lo como um autor que sofre bloqueio criativo, o filme Anônimo (2011), dirigido por Roland Emmerich, muito mais do que endossar a teoria oxfordiana que atribui a Edward de Vere, 17º Conde de Oxford (1550-1604), a autoria das obras de Shakespeare, é, a meu ver, um jogo paródico que desconstrói inúmeras textualidades em torno dessa questão.
Em relação a essa problemática, há mais de 50 candidatos ao trono, ou seja, mais de 50 nomes propostos por pesquisadores diversos, dentre eles Francis Bacon, Walter Raleigh, Cristopher Marlowe, o Conde de Derby, o Duque de Rutland, e a própria Rainha Elisabete, além do Conde de Oxford. Há aqueles que acreditam que as obras de Shakespeare foram escritas por um grupo de Jesuítas ou por vários estudiosos da Maçonaria. Muitos baconianos sustentam que Francis Bacon não escreveu apenas Shakespeare, mas também obras de outros autores como Marlowe, Spenser, Milton, Montaigne etc. Todos esses candidatos fazem parte de um jogo detetivesco, porque as pessoas realmente interessadas em Shakespeare tendem a mergulhar no universo de suas obras e não se preocupam em decifrar identidades.
A imagem de Shakespeare foi denegrida tanto pelos oxfordianos como baconianos ou marlowianos que se referem a ele como “clown analfabeto e bêbado de Stratford-upon-Avon”, “tratante sórdido e mentiroso” ou “mascate desprezível”. Os idealizadores do filme representaram o bardo de acordo com essas características difundidas pelas facções anti-stratfordianas, não com o intuito de difamar Shakespeare, mas tão somente para colocar em xeque contradições e especulações.
Diversos estudiosos criticaram Anônimo porque o filme apenas mostra os preconceitos aristocratas em relação ao meio teatral considerado pouco respeitável na época e, em nenhum momento, discute a relação entre a vida e/ou as técnicas poéticas de Edward de Vere e os escritos atribuídos a Shakespeare, ou seja, o filme não explora os argumentos nos quais os oxfordianos se apoiam para fundamentar a questão da autoria. Acredito que essa omissão já é suficiente para definir a postura dos criadores que não objetivaram inserir no filme elementos para validar a teoria oxfordiana.
Mas posso dizer que vale a pena assistir ao filme pela representação do alvoroço de Londres e efervescência do teatro popular, pelas brincadeiras com o passado histórico ambientado na corte elisabetana e suas intrigas políticas, e pela mistura de fatos (encontrados em documentos) e ficções (fantasias e romances sobre Shakespeare e a questão da autoria), aspectos que propiciaram aos idealizadores do filme um rico material para a reinvenção.
Leiam a matéria Ser ou não ser, ainda a questão, escrita por Elaine Guarini, com a minha participação, no Valor Econômico, 13, 14 e 15 de julho de 2012. Ano 13. Nº 610.
Disponível em:
http://www.valor.com.br/cultura/2750110/ser-ou-nao-ser-ainda-questao#ixzz24gErpn2v